sábado, 22 de fevereiro de 2020


POEMAS   PARA   REZAR

Michel Quoist

Com as luzes praticamente acesas do 3° Milênio e do século 21, por volta da segunda metade da década de 90, as escolas, as empresas, começavam a usar a figura de contos nos cursos de treinamento e desenvolvimento, como ferramentas de aprendizagem. Dos correios em Minas Gerais, como instrutores que éramos, fomos eu e Neuza Viana Nascimento Silva fazermos um curso de contar contos. Num atelier em Belo Horizonte - Contando Contos -  fizemos o curso e no trabalho de conclusão fiz uma adaptação do poema Oração do Sacerdote de Michel Quoist, como conto, que agora tenho o prazer de compartilhar.    



(Numa tarde de domingo)


Esta tarde, Senhor, estou sozinho.
Na igreja, pouco a pouco, os ruídos se calaram,
Foi-se embora toda gente,
Passo a passo,Sozinho.
Cruzei com gente que voltava de um passeio.
Passei pelo Cinema: vomitava uma pequena
       multidão.
Vaguei ao longo de terraços de cafés onde,
       cansados, os passeadores,
Tudo faziam para esticar um pouco mais
A alegria de viver de um domingo de festa.
Esbarrei nos guris que jogavam bola na calçada,
Os garotos, Senhor,

Os filhos dos outros, que não serão nunca os meus.
E aqui estou, Senhor,
Sozinho.
O silêncio me dói
A solidão me oprime.
Tenho 50 anos, Senhor,
Um corpo feito como outros corpos.
Braços moços para o trabalho,
Um coração reservado para o amor,
Mas tudo isto Ti dei.
É verdade que de tudo precisavas,
Tudo Ti dei, mas é duro, Senhor,
É duro dar o próprio corpo: ele queria dar-se a outros.
É duro amar toda gente e não possuir ninguém.
É duro apertar uma mão e não poder retê-la.
É duro fazer que brote uma afeição, mas para dá-la a Ti.
É duro nada ser para si mesmo, a fim de ser tudo para eles,
É duro ser como os outros, entre os outros e ser um outro!
É duro dar sem cessar, sem procurar receber.
É duro ir ao encontro dos outros, sem que jamais alguém
Venha ao nosso encontro.
É duro sofrer os pecados dos outros, sem poder recusar
Acolhê-los e carregá-los.
É duro receber os segredos, sem poder compartilhá-los.
É duro arrastar os outros sem cessar e nunca poder
Um instante sequer, deixar-se arrastar pelos outros.
É duro sustentar os fracos sem poder apoiar-se sobre um forte.
É duro estar sozinho.
Sozinho diante de todos
Sozinho diante do sofrimento,
Do pecado, da morte.


   Não estás só, meu filho,
   Estou contigo,
   Eu Sou tu.                
   Eu precisava, na verdade, de uma 
   humanidade a mais para
   Continuar Minha Encarnação e Minha 
   Redenção.
   Desde toda a eternidade, Eu ti escolhi.
   Eu preciso de ti.
   Preciso de tuas mãos para continuar a 
   abençoar,
   Preciso de teus lábios para continuar a 
   falar,
   Preciso de teu corpo para continuar a sofrer,
   Preciso de teu coração para continuar a amar,
   Preciso de ti para continuar a salvar,
   Fica Comigo, meu filho.


 Senhor, eis me aqui:
Eis meu corpo,
Eis meu coração,
Eis minha alma.
Faze-me bastante grande para atingir o mundo,
Bastante forte para carregá-lo.
Bastante puro para abraçá-lo, sem querer guardá-lo.
Faze que eu seja um ponto de encontro, sim,
Mas ponto de passagem.
Caminho que não prende para si próprio, por que nele
Não há nada de humano a encontrar, nada que não conduza a Ti.
Esta tarde, Senhor, enquanto tudo em volta silencia, dentro
Do meu coração sinto morder duramente a solidão.
Enquanto meu coração uiva longamente sua fome de prazer,
Enquanto os homens devoram-me a alma e eu me sinto impotente para saciá-los,
Enquanto sobre meus ombros pesa o mundo inteiro,
Com todo seu peso de miséria e de pecado,
Eu Ti repito o meu SIM, não às gargalhadas, mas lentamente, lucidamente,
Humildemente,
Sozinho, Senhor, sob Teu olhar.




Mário de Castro – Verão de 2020